“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”
― Bertolt Brecht
Pego Negro é o nome de uma pequeno vale nos limites da cidade do Porto. Apesar da proximidade da segunda maior cidade de Portugal, Pego Negro, é ainda um meio rural, com poucos moradores e maioritariamente idosos. Pego Negro é também atravessado pelo Rio Tinto, O rio Tinto é um pequeno curso de água com cerca de 10km que nasce em Ermesinde e tem como sua foz o rio Douro.
Rio tinto e a origem do seu nome remontam ao século XX. Segundo a lenda, num vale junto a um pequeno rio, houve uma batalha entre cristãos e mouros de tal forma sangrenta que, na memória do povo, o sangue derramado foi tão abundante que manchou as águas cristalinas do rio durante dias e desde então se chama Rio Tinto.
Durante séculos o rio forneceu água às populações que viviam nas margens e às dezenas de moinhos que permaneceram activos até ao final dos anos ‘60.
Nas últimas décadas, devido à expansão urbanística, parte do rio foi entubado e vários crimes ecológicos fizeram do Rio Tinto um dos rios mais poluídos da zona norte do país.
Nunca me interessou fotografar um rio poluído ou as ruínas de uma pequena localidade.
Tendo em mente um pouco do que era a memória pública e as suas lendas, interessou-me desde do início do projecto, criar uma certa atmosfera film noir que servisse de roupagem para o território e sua relação entre a poluição, o desgaste, a minha deambulação e a minha relação com próprio meio fotográfico – desafiando os seus próprios limites.
Explorando a sensibilidade e as fragilidades do suporte analógico, usei em diversas ocasiões a água poluída do rio para revelar as películas preto & branco na tentativa de trazer o impacto da poluição para o próprio meio fotográfico resultando em algumas solarizações devido aos altos índices de lixívia no rio.
De forma a pontuar o meu percurso pelo território, recolhi e digitalizei dezenas de objectos que ia encontrando. Quase como achados arqueológicos, fui recolhendo variados objectos entre o material e o orgânico e descontextualizando-os do meio com uma certa elevação estética e desta forma captar do espectador uma atenção mais demorada num dos problemas deste território.
Pego Negro é acerca do intensivo invés do extensivo. De um pequeno território à margem de uma grande cidade.
Pego Negro pretende ser um ponto de partida e não é apenas sobre si. É também sobre a memória do local, sobre a sua erosão através do tempo e sobre a minha própria experiência do local, sobre a fotografia como meio e como as diferentes práticas podem afetar a nossa percepção visual.